Autor:  Caio Megale (Economista-chefe da XP)

18/04/2023 10:10:15 • Atualizado em 18/04/2023 10:10:16

Duas vezes por ano, na primavera e no verão, o FMI reúne em Washington ministros da economia (ou finanças) e presidentes de bancos centrais para debater temas da conjuntura econômica global. Aproveitando a data, instituições financeiras e organizações multilaterais fazem eventos paralelos para seus clientes. É uma ótima oportunidade para trocar ideias com gestores e economistas de diferentes partes do mundo.

As reuniões de primavera (no hemisfério norte) aconteceram semana passada, entre 10 e 14 de abril. Estive por lá junto com a equipe de análise política da XP, e aproveitamos a oportunidade para visitar alguns clientes em Nova York.

Sobre economia internacional, parece haver dois consensos. O primeiro é que a economia americana vai entrar em recessão. Resta saber sua intensidade. O segundo é que preços de matérias primas continuarão elevados, seja pela retomada da China, seja por restrições de oferta.

Mas as preocupações maiores sobre o cenário internacional ainda parecem repousar sobre temas geopolíticos.

No Brasil, vem se formando uma visão mais construtiva sobre a intenção do Ministério da Fazenda em buscar uma melhora fiscal e sobre a firmeza do Banco Central em combater a inflação. Há dúvidas, no entanto, sobre a capacidade de implementação, diante das incertezas políticas. Juros ainda elevados e redução de benefícios tributários podem pesar sobre o crescimento no curto prazo. Restam muitas dúvidas também sobre mudança de metas de inflação, e seus riscos.

 Um destaque positivo foi a perspectiva da reforma tributária. A experiência da Índia mostra que a adoção de um IVA federal pode ajudar tanto no crescimento quanto na formalização das empresas, com efeitos positivos sobre a arrecadação do governo.

EUA: recessão, risco financeiro e teto da dívida

Sobre os EUA, a visão geral é de que não haverá uma crise bancária nos moldes de 2008. Há menos oferta de crédito, mas o mercado segue em funcionamento. De toda forma, os problemas que apareceram recentemente são um sintoma adicional – além da desaceleração do mercado imobiliário e da produção industrial – de que a alta de juros já está fazendo efeito sobre a economia. Desta forma, parece pouco provável que o Fed (banco central) eleve os juros para além dos 0,25pp já sinalizados para maio – encerrando o ciclo de alta em 5,25% ao ano.

Além dos bancos, outros dois fatores de risco para os EUA este ano foram muito mencionados nas reuniões que tivemos. O primeiro é um excesso de oferta de escritórios em grandes cidades, como Nova York (Miami é exceção). O outro é a proximidade do país atingir o teto legal para a dívida pública. Esse problema é normalmente contornável com um arranjo no Congresso para evitar um “apagão” de serviços públicos. Mas diante da atual polarização política e a volta do ex-presidente Trump às manchetes, é possível que o acordo seja mais difícil desta vez. Uma recessão nos EUA não é necessariamente ruim para nós. Os juros param de subir por lá e a tendência recente de desvalorização global do dólar tende a continuar por mais algum tempo. Como a inflação segue resistente, no entanto, ninguém acredita em cortes de juros muito cedo.

Retomada da China e restrições de oferta sustentam commodities

A China demorou, mas finalmente começou a se recuperar após o fim das restrições anti-Covid. A retomada da demanda chinesa deve dar sustentação aos preços de commodities nos próximos trimestres. O forte crescimento da Índia – em torno de 6% para este ano e o próximo, segundo o FMI – também deve manter aquecida a demanda global por matérias-primas, especialmente energia e produtos agrícolas.

Além disso, é frequente a visão de escassez de oferta. A guerra da Ucrânia deve se prolongar e a OPEC seguirá controlando de perto a produção de petróleo. A busca estrutural por uma matriz energética com maior participação de energia renovável também limita a oferta de fontes mais tradicionais.

Produtores de commodities, como o Brasil, se beneficiam deste cenário.

Polarização e riscos geopolíticos

A polarização política não é “privilégio” do Brasil. Nos EUA, o ex-presidente Donald Trump voltou a ganhar espaço no partido Republicano, e as apostas são de que ele pode voltar a ser um forte candidato em 2024. Biden parece ser o único candidato democrata com possibilidade de vencê-lo, o que tornam elevadas as chances de repetirmos a corrida da última eleição.

Este cenário pressiona o governo Biden por resultados, com implicações sobre discussões relevantes no Congresso, como a do teto do endividamento mencionada acima.

A pressão se espraia para as relações internacionais, o que tende a levar Biden a reforçar o apoio militar à Ucrânia em sua guerra contra a Rússia; e a intensificar as tensões conta a China. Neste contexto, pilares de sustentação da hegemonia americana, como o papel do dólar como moeda de referência, podem ser questionados.

Brasil: o desafio de transformar a intenção em resultados

No Brasil, os representantes do Ministério da Fazenda – o secretário Executivo Gabriel Galípolo e o Secretário de Política Econômica Guilherme Mello – foram convincentes em mostrar a intenção de equilibrar as contas públicas. As linhas gerais do arcabouço fiscal, na visão da maioria, não garantem o equilíbrio, mas reduzem a probabilidade de cenários mais negativos.

Da mesma forma, as sinalizações do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e dos diretores da instituição são de firme propósito de buscar a convergência da inflação à trajetória de metas.

As dúvidas principais estão na execução, em meio a incertezas políticas. Do lado monetário, a possibilidade de mudança das metas de inflação e do perfil do Copom ao longo do tempo. Isso pode sinalizar a preferência por um nível mais elevado de inflação, o que dificultaria a ancoragem das expectativas de médio prazo.

De toda forma, a maioria dos interlocutores parece entender que a economia está desacelerando de forma clara, liderada pelo mercado de crédito. Não há um “credit crunch”, mas não parece haver dúvidas que as condições monetárias estão apertadas. Assim, um gradual ciclo de cortes de juros a partir de meados do segundo semestre é projetado pela maioria dos interlocutores. O Banco Central, por sua vez, reforça que isso acontecerá apenas quando houver confiança no processo de queda da inflação.

No lado fiscal, o arcabouço ainda precisa passar pelo Congresso, e pode ser alterado. Além disso, há dúvidas sobre a capacidade do governo gerar arrecadação adicional para equilibrar as contas; e sobre a sustentabilidade dos limites de despesa caso a desaceleração econômica persista em 2024.

Reforma tributária pode ser uma alavanca de melhora do cenário

A estratégia do governo para a reforma tributária também desperta interesse. Perguntas sobre a reforma do consumo – que substitui impostos indiretos por um IVA nacional – se misturam com outras sobre a reforma da tributação da renda, que discute imposto sobre dividendos, instrumentos financeiros, etc. Também não está claro aos olhos externos se a estratégia de aumento de receitas de curto prazo passa pelas medidas de reforma tributária.

A reforma do consumo é a que mais empolga. É consenso que a complexidade dos impostos indiretos – ISS, ICMS, PIS, Cofins, IPI – é um nos principais ingredientes do “custo Brasil”. A experiência da Índia mostra que uma reforma muito semelhante a que está sendo discutida nas PECs 45 e 110 no Congresso pode ter impacto sensível na eficiência da economia e na formalização das empresas. A arrecadação cresce de forma natural, sem aumento de alíquotas tributárias.

Assim, avanços destas propostas podem ser uma fonte de melhora dos ativos financeiros brasileiros este ano.

Desglobalização: vamos perder o bonde?

A pandemia do Covid-19 desencadeou um processo de diversificação geográfica e econômica de fornecedores por parte das empresas globais, deixando de se concentrar em certos países da Ásia. Este tema esteve presente em muitos dos debates na última semana em Washington.

Este processo é uma oportunidade para países da América Latina se reindustrializarem. A notícia não tão boa é que o processo já começou, e países como o México já estão se beneficiando de um aumento de investimentos externos.

O Brasil é um alvo potencial claro pela diversidade de sua economia, distância de centros de conflitos geopolíticos e pela matriz energética renovável, uma das mais limpas do mundo. Mas ainda há desafios conjunturais e estruturais para tornar o ambiente de negócios no país mais favorável.

Há tempo de avançarmos em reformas e sinalizações para não perder esse bonde. Mas este risco preocupa os investidores. Reformas importantes, como a trabalhista, previdenciária, marcos legais do saneamento e ferrovias, privatização da Eletrobrás, podem ser revertidas? As sinalizações ainda são desencontradas, retardando as decisões de investimentos.

Confira também nosso artigo sobre Óleo e Gás | A saga do imposto sobre os combustíveis

Fonte: conteudos.xpi


0 Comments

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *