Autor: Caio Megale (Economista-chefe da XP), Rodolfo Margato (Economista da XP) e Alexandre Maluf (

Estrategista Macro)

01/02/2022 18:23:11 • Atualizado em 01/02/2022 18:23:44

Introdução: real, o “patinho feio”

Apesar do bom desempenho nos últimos dias, o real brasileiro teve desempenho inferior à maioria das moedas de mercados emergentes durante os dois anos da pandemia. Em termos nominais, o real desvalorizou quase 40% em 2020-2021, superando apenas a Argentina e a Turquia em um grupo de países emergentes selecionados pela Bloomberg.

taxa de câmbio

O quadro não muda se considerarmos o ajuste pela inflação. Ao ajustar pela inflação ao consumidor (CPI) entre 2020 e 2021, o real continua sendo o patinho feio entre as moedas, tendo desvalorizado 22% mais que a inflação – sem considerar o patinho “muito feio”, a Turquia.

taxa de câmbio

É razoável que o real tenha tido um desempenho tão baixo? Nossa moeda ficou desvalorizada demais? Neste relatório tentamos esclarecer alguns pontos sobre este tema (desafiador, como sempre quando se trata de câmbio).

Perspectiva histórica

À primeira vista, o real parece desvalorizado em termos reais.

O gráfico abaixo mostra a taxa de câmbio desde 1980 corrigida pela inflação, contra uma cesta de 16 moedas ponderada pela nossa pauta de exportações. Ao final de 2021, o índice estava 15% acima (mais desvalorizado) que a média no período completo, e 29% acima da médio pós-Plano Real.

Essa divergência da média histórica surgiu durante a pandemia, conforme descrito acima. Antes da crise do Covid-19, o indicador estava exatamente na média observada entre 1995 a 2021, e um pouco mais forte (8%) do que a média de 1980 a 2021.

Mas além da análise histórica, devemos levar em consideração outras variáveis econômicas, que também influenciam a valorização e desvalorização da nossa moeda. Entre as principais, podemos destacar:

  1. Saldo das contas externas – grosso modo, o que transacionamos com o mundo em bens e serviços, e investimentos;
  2. Nosso diferencial de produtividade – quanto produzimos por trabalhador no Brasil, comparado a outros países;
  3. O risco fiscal – qual a percepção de risco de investidores em relação à sustentabilidade das nossas contas públicas;
  4. Diferencial de taxa de juros – qual o nível relativo da nossa taxa básica de juros, comparado a outros países.

As seções seguintes exploram um pouco a correlação do real com essas variáveis, para identificar se a taxa de câmbio está alinhada com esses fundamentos, que chamamos de “fatores estruturais”.

Taxa de câmbio nominal

Vamos começar a análise pela taxa de câmbio nominal contra o dólar americano – ou seja, o valor da nossa taxa de câmbio sem corrigir pela inflação.

Para tal, os economistas costumam construir modelos estatísticos baseados em ativos financeiros. Isso porque, no curto prazo, a dinâmica da nossa moeda tende a refletir mais movimentos de alocação de investimento, tendo por trás a busca por lucros de investidores.

Assim, montamos um modelo de correlação histórica baseado na evolução dos seguintes indicadores financeiros:

DXY – Índice Dólar: mostra a força do dólar americano em relação a uma cesta de moedas de países desenvolvidos. No caso do Brasil, um país emergente, quanto mais forte o dólar, mais nossa moeda é penalizada (desvalorizada).

CDS – Credit Default Swap (derivativo de crédito) de 5 anos: uma métrica associada ao risco-país. Quanto maior o CDS, maior o risco-país e menor o potencial de atração de recursos externos.

Índice do Commodity Reseach Burreau – CRB – de preços de commodities: uma média dos preços internacionais de commodities (índice à vista). Quanto maior o CRB, maior o valor das exportações brasileiras e, consequentemente, maior a oferta de moedas estrangeiras no país.

Diferencial de juros Brasil x EUA: quanto maior a diferença entre a taxa local e a taxa internacional (aqui adotamos a taxa de juros básicas dos EUA), maior o fluxo esperado de moeda estrangeira para o país e, consequentemente, mais valorizada a taxa de câmbio doméstica.

Rodamos o modelo em dados mensais e dados diários [1].

A conclusão foi que, se o real tivesse seguido a correlação história com essas variáveis nos últimos dois anos, nossa moeda estaria próxima a 4,35 reais por dólar, bem abaixo dos 5,3 cotados no momento quando escrevemos esse relatório.

A razão para isso é que as commodities subiram bastante no período, e nossa taxa de juros decolou, se distanciando dos juros nos EUA. O Gráfico abaixo mostra a dinâmica observada do real (em preto), e aquela que seria a dinâmica indiada pelo modelo (em amarelo).

taxa de câmbio

Taxa de câmbio real e o desalinhamento da moeda

Será que a conclusão se mantém, quando analisamos o câmbio real e efetivo, ou seja, aquele corrigido pela inflação e contra uma cesta de moedas de países com os quais temos transações comerciais?

À taxa de câmbio corrigida pela inflação, dá-se o nome de taxa de câmbio real.

Quando ajustado pela inflação e analisado por um período mais longo, o valor da nossa moeda tende a refletir mais os elementos estruturais que descrevemos acima, do que o comportamento mais volátil diário fruto das transações de mercado.

A tabela abaixo resumo os indicadores que usamos para medir o nível justo de câmbio real, assim como uma descrição de cada um deles.

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Os resultados, a partir de quatro especificações diferentes, apontam um intervalo de “câmbio justo” entre 4,2 e 4,75 reais por dólar [2].

Como podemos ver, o crescente endividamento público e o baixo crescimento da produtividade nas últimas décadas puxam o valor de equilíbrio para cima – ou seja, deixam nossa moeda mais desvalorizada. Mas ainda assim, o topo do intervalo é abaixo de 5 reais por dólar. A robustez das nossas contas externas justificaria um real mais forte.

Assim, os resultados de tanto o modelo com o câmbio nominal quanto com o câmbio real indicam que o real segue desvalorizado no patamar atual.

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O que esperar para frente?

Mostramos neste relatório, usando diferentes métodos e especificações, que o real está mais desvalorizado do que o justificado pelos fundamentos econômicos. O câmbio brasileiro encerrou 2021 em 5,6 reais por dólar, e melhorou um pouco em janeiro, para 5,4. Nossos exercícios sugerem que deve estar entre 4,2 e 4,75 reais por dólar.

Isso significa que devemos esperar o que real convirja para os valores “justos” no curto prazo? Não necessariamente….

Mantemos nossa visão de que o câmbio continuará oscilando em torno dos níveis atuais nos próximos trimestres. Isso porque acreditamos que os riscos fiscais e políticos (muito mais difíceis de serem totalmente capturados pelos modelos) e a incerteza da dinâmica da pandemia no Brasil continuarão pesando sobre os ativos brasileiros pelo menos até a proximidade das eleições.

A possibilidade de o Banco Central americano ser muito mais duro do que o esperado ao ajustar sua taxa de juros também pode contribuir para que o real siga distante de seu “valor justo” por mais tempo. Justamente devido ao movimento de atração de capital em direção aos EUA (com juros maiores), e fortalecimento do dólar no cenário global.

De qualquer forma, esta nota mostra a “gravidade” da moeda brasileira em relação à valorização. Se, por qualquer motivo, aumentar a probabilidade de uma política fiscal responsável além das eleições, podemos ver o real continuar se fortalecendo. Neste relatório, demos uma ideia de até quanto ela pode ir.

Referências

[1] Um detalhe técnico para melhor avaliar o desalinhamento recente: estimamos as correlações até um mês antes da OMS (Organização Mundial da Saúde) anunciar oficialmente o surto de pandemia. Isso para que o comportamento pós-pandemia não contamine as estimativas feitas em “períodos normais”.

[2] Estimamos quatro modelos agregando as variáveis acima, usando como base especificações usadas na literatura econômica (para um resumo, ver o artigo de Lívio Ribeiro e Samuel Pessoa de 2016: “Modelos de câmbio real para a Economia Brasileira”.

Disponível na internet). Os detalhes técnicos dos modelos econométricos podem ser obtidos sobe demanda, no e-mail: [email protected]

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Fonte: XP


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