Autor: Fernando Ferreira (Estrategista Chefe e Head do Research), Jennie Li (Estrategista de Ações) e Rebecca Nossig (Analista de Estratégia de Ações).
13/09/2022 23:00:27 • Atualizado em 14/09/2022 09:27:43
Uma expressão que ficou bastante famosa durante os últimos anos de liquidez abundante e juros cada vez menores no mundo foi a “TINA”. Ela se refere à abreviação de “There Is No Alternative” (ou “Não há outra alternativa” na tradução em português). Ela explica o porquê investidores globais seguiam comprando ações e ativos de risco, mesmo a níveis altos de preço. Não havia alternativas de investimento interessantes, na medida em que as taxas de juros eram cada vez menores.
Temos dito, de maneira jocosa, que o Brasil está se tornando o “TINA” dos mercados emergentes. Isso por conta da forte performance dos ativos brasileiros em 2022, mesmo considerando o desempenho muito fraco dos ativos no mundo desenvolvido e em outros grandes emergentes. Enquanto o Ibovespa sobe quase 6% no ano em Reais, e quase 15% em Dólares, por conta da forte apreciação da moeda brasileira contra o Dólar, as Bolsas globais caem entre 15-25% no ano.
É óbvio que dizer que não há uma outra alternativa no mundo em relação ao Brasil é um grande exagero. Afinal, o mercado brasileiro ainda é bem pequeno no contexto global. As ações brasileiras, por exemplo, representam apenas 0,7% do valor de mercado das ações globais. Mas o Brasil hoje tem um cenário mais favorável do que muitos grandes mercados emergentes e desenvolvidos, além de um valuation mais atrativo, o que tem atraído muitos investidores estrangeiros.
Nós seguimos otimistas com os ativos brasileiros (Bolsa, Renda Fixa e a moeda) e ainda cautelosos no cenário global, e iremos explicitar essas visões a seguir.
Cautela com mercados globais segue…
Antes de falar do Brasil, vale lembrar algumas das razões pelas quais nós seguimos com uma visão ainda cautelosa em relação aos principais mercados de ações globais, mesmo com a correção de preços que vimos até agora.
Para o médio prazo (próximos 6-12 meses), existem várias razões que corroboram essa cautela em relação aos índices de bolsas globais. Iremos utilizar principalmente o mercado americano na análise, dado que ele representa 60% do índice global:
1. Bolsas não atrativas em relação ao histórico: ano analisarmos os indicadores de valuation das Bolsas globais, como Preço/Lucro e Preço/Valor Patrimonial, vemos que os principais índices se encontram próximos ou acima das médias históricas, não aparentando estar atrativos nesse momento. O índice americano, S&P 500, por exemplo, está negociando em um P/L de 16,7x, usando como base os Lucros projetados para os próximos 12 meses pelo consenso de mercado. Esse valor é em linha com a média dos últimos 10 anos. Já o índice MSCI All Country World, que mede as ações globais, está negociando com um P/L de 14,7x, vs. a média histórica de 14,4x;
2. Bolsas caras em relação à renda fixa: o otimismo recente dos índices de ações não tem sido acompanhado pelo mercado de renda fixa. Isso porque os juros embutidos nos títulos dos governos seguem em alta recentemente, fazendo com que a relação entre Renda Variável e Renda Fixa não fique tão atrativa. Pegando o mercado americano como exemplo, o Prêmio de Risco das Ações (ERP – Equity Risk Premium) está em 5,13%, abaixo da média histórica de 5,82%. Isso quer dizer que as ações americanas hoje não estão atrativas em relação aos juros dos títulos americanos. Esse índice compara os rendimentos esperados pelas ações (Earnings Yield em %) em relação aos juros reais de longo prazo (títulos TIPS de 10 anos). Para regressar para a média histórica do ERP, as ações americanas precisariam corrigir em 10% dos níveis atuais;
3. Expectativas de lucro ainda elevadas: as expectativas de lucro nos EUA ainda parecem elevadas, principalmente em um ambiente de crescimento menor adiante, e possível recessão. O histórico mostra que em cenários de recessão econômica, o Lucro por Ação (LPA) do S&P 500 caiu 12% na mediana, mas com eventos com quedas de quase 40% como na crise de 2008. Atualmente, o mercado espera um crescimento de lucros para 2022 de +10%, e para 2023 de +8%. Nos últimos meses, essa expectativa já vem sendo reduzida, mas ainda parece elevada. Por exemplo, na temporada de resultados do 2º trimestre, o LPA reportado cresceu 6,7%, mas excluindo o setor de Óleo & Gás, o indicador já contraiu em 3,7%, segundo dados da Factset;
4. Bancos Centrais seguindo com o aperto monetário: os principais BCs do mundo, o Federal Reserve e o Banco Central Europeu, seguem no caminho de aumento de juros, sem sinais do final do ciclo de alta dos juros em breve. Além disso, o Fed começou a redução do seu balanço, retirando liquidez dos mercados via a venda de títulos ou deixando eles expirarem, em um montante de US$90 bilhões a partir do mês de setembro. Da mesma forma que a injeção de liquidez (QE – Quantitative Easing) ajudou a derrubar as taxas de juros e inflar o preço dos ativos, dá para dizer que o cenário para ativos daqui adiante ficará mais difícil.
5. Riscos geopolíticos na Europa e China: os riscos geopolíticos ainda não se dissiparam, e continuam, principalmente, nas relações entre Europa e EUA com a Rússia, e a relação dos EUA com a China, em especial relacionado à Taiwan. Na Europa, os principais riscos iminentes são relacionados ao fornecimento de gás natural e petróleo pela Rússia nos próximos meses durante o inverno. O preço do gás natural na Europa já sobe mais de 500% em um ano. Enquanto isso, as relações do Ocidente com a China ficaram mais tensas recentemente, após a visita da Líder do Congresso americano Nancy Pelosi à Taiwan. Esses riscos ficarão bastante no radar dos investidores.
6. China desacelerando: o motor da economia global, a China, vem mostrando sinais de forte desaceleração em 2022. Enquanto o governo chinês tem uma meta de crescimento econômico de 5,5% para 2022, muitos economistas já esperam um crescimento abaixo de 3% esse ano. A política de zero-Covid é responsável por boa parte dessa desaceleração, mas os ajustes no setor imobiliário Chinês também preocupam, pois podem perdurar por mais tempo e levar a uma desaceleração mais estrutural da economia.
7. Recessão global: a probabilidade de uma recessão econômica adiante segue subindo. Enquanto há poucos meses atrás ela estava em 30-35% de chance nos próximos 12 meses, agora o consenso do mercado, segundo a Bloomberg, já mostra 50% de chance de uma recessão nos EUA no próximo ano e 55% na Europa. Muitos economistas já consideram a recessão como cenário base para 2023 na Europa por conta da crise energética que a região enfrenta. Alguns indicadores antecedentes, como os PMIs (índices de compras das indústrias e serviços) e produção industrial, já mostram uma desaceleração nos últimos meses. Outros indicadores permanecem em patamares sólidos, como o mercado de trabalho, o que podem postergar o início de uma possível recessão.
…Mas a visão para os ativos brasileiros segue construtiva
Apesar da visão ainda cautelosa com os fundamentos dos mercados globais no próximos 6-12 meses, nós seguimos construtivos com os ativos brasileiros, em termos relativos à outros mercados. O Brasil já entrou no ano de 2022 com seus ativos principais (Bolsa, juros e câmbio) estando bastante baratos, um grande contraste com os ativos globais.
Nesse momento, a Bolsa brasileira negocia com um grande desconto em relação à outros mercados, com um P/L de apenas 6,3x, o que se compara com vários mercados globais entre 12-18x, como mostra a tabela abaixo.
Além disso, a grande exposição à setores que se beneficiam de um cenário de inflação e juros em alta (bancos e commodities) tem atraído fortes fluxos de estrangeiros para a bolsa brasileira.
Acreditamos que os ativos brasileiros possam seguir em uma tendência de redução de risco e valorização nos próximos meses, mesmo com as eleições estando próximas. Além disso, temos visto uma volatilidade menor no mercado nesse período eleitoral em comparação com eleições passadas.
Alguns motivos estão por trás da boa performance dos ativos brasileiros esse ano são:
1) grande exposição aos setores que investidores querem no momento, que são mais protegidos em relação à alta da inflação e juros. Esses setores são commodities e bancos, que representam 66% da Bolsa brasileira.
2) valor atrativo: os ativos brasileiros seguem muito baratos, negociando com um forte desconto em relação às médias históricas. A Bolsa brasileira está atualmente negociando a 6,2x Lucro esperado para os próximos 12 meses, um desconto de 47% em relação à média histórica de 11,7x nos últimos 10 anos.
3) altas taxas de juros: o fato do Brasil ter saído na frente em relação ao aumento das taxas de juros – a Selic hoje se encontra em 13,75% e os juros reais futuros (IPCA+) estão em 5,80% – faz com que o Brasil passe a atrair fluxo de investidores para o mercado de renda fixa e também para a Bolsa, pois a chance de uma forte depreciação da moeda diminiu com juros elevados. Afinal, as altas taxas de juros ajudam a fortalecer o Real em relação ao Dólar. No ano, o Real já apreciou 7,3%, tendo a 2ª melhor performance entre todas as moedas emergentes.
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Fonte: conteudos.xpi
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